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Logística e valor são principais desafios para reciclagem de vidro decolar no Brasil

Cacos de vidro são considerados um insumo importante para a indústria de novos vidros, e é mais barato reciclar do que produzi-lo do zero. Ainda assim, o material é menos reciclado no Brasil do que papel, plástico ou alumínio. A cadeia do vidro sofre com desafios logísticos como a distância dos locais de consumo e coleta para as empresas que reciclam e o baixo preço do material.

Empresas e entidades gestoras têm tomado diferentes iniciativas para mudar o panorama, desde reforçar o trabalho junto a cooperativas de catadores à reutilização de recipientes.

Não há certeza sequer sobre quanto do vidro que entra no mercado é reciclado. Os dados oficiais mais ecentes do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir+) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) são relativos a 2019 e dão conta que 11% do total de vidro fabricado naquele ano foi reciclado. A Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro) afirma que esse número está defasado, e a entidade gestora CirculaVidro está produzindo um relatório que demonstraria que os números são maiores, mas este ainda não foi finalizado.

As empresas de vidros planos, usados na construção civil e na indústria automobilística, se reúnem em outra associação, a Abravidro, que não faz esse tipo de levantamento. A Associação Nacional dos Catadores (Ancat), em seu atlas da reciclagem, calculou que, em números absolutos, 171.195 toneladas de vidro foram recicladas em 2022 (dado mais recente disponível). A Ancat não respondeu aos questionamentos enviados pelo Estadão até a publicação desta reportagem.

O MMA confirmou ao Estadão o recebimento do relatório da  CirculaVidro, que ainda está sob análise. A pasta disse ainda ter ajudado na instalação de Pontos de Entregas de Pequenos Volumes (PEVs) e estabelecimento de metas de percentual mínimo de conteúdo reciclado para o vidro fabricado do zero, além de regulamentar a lei de incentivo à reciclagem.

O vidro pode ser reciclado indefinidamente, e o processo traz benefícios ambientais por gerar uma economia relevante de energia em comparação com a produção a partir do zero e por impedir a retirada de mais areia do meio ambiente. Assim, para as indústrias, ter acesso ao material é vantajoso. Contudo, esse acesso pode não ser simples: o vidro precisa ser separado de impurezas como rótulos e triturado em hubs após ser coletado e levado para cooperativas. Se os hubs não estiverem perto, o custo do transporte pode encarecer e tornar não vantajoso.

Se não houver o acesso, as principais matérias-primas, areia e barrilha, são fáceis de encontrar e baratas. Essa facilidade também mantém o preço do quilo do vidro coletado em torno de R$ 0,30, abaixo de outros como alumínio. Como um material que é mais difícil de transportar por ser pesado e levar risco no manuseio, e que paga pouco, nem sempre é bom para cooperativas e catadores coletá-lo e fazer a primeira triagem.

O trabalho por fortalecer a reciclagem do material passa por diferentes pontos: desde a coleta de informações para fazer gestão e saber que áreas precisam ter mais cooperativas e hubs até incentivar a reutilização de garrafas e outros recipientes quando for possível. Outra medida é buscar um aumento no valor pago aos elos iniciais da cadeia, de forma a gerar um ciclo virtuoso.

Dados

A busca por dados confiáveis é considerada a primeira missão da CirculaVidro, entidade gestora de resíduos do setor. A organização surgiu após decreto do governo federal que regulamentou e estabeleceu metas para a reciclagem do material, publicado em dezembro de 2023 e é integrada pela Abravidro, Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas) e Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja), abrangendo 100% dos fabricantes do material. O decreto estabelece metas graduais para o crescimento da reciclagem do vidro como um todo, chegando a 40% do total no País em 2032.

Os dados são importantes para as empresas poderem planejar e tomar decisões em relação à logística reversa.

“É para entender onde já há a reciclagem e onde estão os gargalos. Por exemplo, se já existe muito investimento de uma empresa numa região, eventualmente outras companhias podem fazer investimentos em outros locais”, menciona Fábio Ferreira, diretor-executivo da CirculaVidro.

Caroline Morais, gerente de sustentabilidade da Abividro, destaca que esse trabalho de evolução é importante para fazer com que o caco de vidro chegue com uma qualidade mínima e com constância.

“É o grande desafio da logística reversa, e passa por frequência da coleta seletiva, qualidade da triagem nas cooperativas. Hoje, a oferta de caco é menor do que a indústria tem capacidade de absorver”, diz.

Visão parecida é citada por Juliana Schunk, CEO da Massfix, empresa que trabalha apenas com reciclagem de vidro há mais de 30 anos.

“Os projetos de reciclagem têm um grande potencial de crescimento. Tem grande ociosidade mesmo nos estados em que está presente”, cita.

Segundo Schunk, a Massfix pensa em expandir a atuação para mais estados além das seis unidades federativas em que está presente diretamente hoje (SP, GO, ES, MG, DF e SC).

A CEO ainda ressalta que a indústria de reciclagem não tem benefícios fiscais em relação à produção de vidro iniciada do zero, o que classifica como um erro. O MMA disse trabalhar com o Ministério da Fazenda para determinar a desoneração de resíduos recicláveis na regulamentação da reforma tributária e no Plano de Transformação Ecológica.

Estruturação da cadeia

A tentativa de fortalecer os elos da cadeia é vista como fundamental tanto por entidades como a Abividro e a CirculaVidro, e como uma oportunidade por empresas.

Outra companhia que atua no setor da reciclagem (embora não só de vidro), a Ambipar tenta nacionalizar a cadeia prestando apoio a cooperativas locais.

A empresa também tem parcerias com a Heineken, para a construção de nove hubs de processamento nos próximos três anos em diferentes estados, e com a startup eureciclo (sic) para a venda de créditos de reciclagem. O sistema funciona de forma semelhante aos créditos de carbono, em que uma empresa compra
os créditos como forma de garantir que aquela mesma quantidade de material que colocou no mercado foi reciclada.

Um adicional é gerado e parte é repassada para remunerar cooperativas e catadores.

“O valor do vidro é relativamente menor, mas quando acrescentamos, vira uma receita extra, que pode ser investida no galpão, ou distribuída entre os cooperados. Todo incentivo é bem vindo”, explica Caio Trogiani, gerente de operações da eureciclo.

O trabalho da Ambipar e da eureciclo pode ser demonstrado na cooperativa Goiânia Viva. Segundo Ildo Sebastião de Souza, administrador do local, a Ambipar contribuiu com novos equipamentos como uma bomba de água nova e um caminhão seminovo mais adequado, e a eureciclo fez o meio de campo com donos de hotéis e restaurantes da região para separarem o vidro para ser coletado pela cooperativa.

Os catadores também recebem equipamentos de proteção individual e treinamento da Ambipar.

“A cooperativa precisa ter demanda garantida para fazer contratos e ter maior relação com setor financeiro, além de se desenvolver e aumentar capacidade de processamento”, resume Rafael Tello, vice-presidente de sustentabilidade da Ambipar.

Tello conta que o lucro da Ambipar vem da revenda do vidro triturado para as indústrias e da negociação dos créditos de reciclagem. Ao mesmo tempo, diz que a empresa nota que os catadores que trabalham com ela tem uma renda maior, mas que não tem dados relativos a isto.

A aposta é que estruturar a cadeia com novos hubs, por exemplo, iniciará um ciclo virtuoso de maior demanda pela proximidade com as indústrias compradoras, maiores valores pagos e maior interesse dos catadores. A CirculaVidro afirma que, uma vez que a coleta de dados esteja completa, essa mesma contribuição para a logística reversa seria uma das principais parte do seu trabalho. A reunião de pequenos municípios em consórcios para coletar vidro em escala suficiente para atrair recicladores também é vista como uma estratégia para tornar viável a reciclagem.

“Temos que ter visão de longo prazo, estruturante, para o desenvolvimento das pessoas e das organizações envolvidas”, comenta Tello.

Ele diz que a Ambipar segue aberta a trabalhar com mais cooperativas que os busquem, mas que por vezes não são “descobertos” por elas.

Reutilização

A reutilização de recipientes é outra estratégia para reduzir o vidro no lixo, e é incentivada pela Abividro, mas encontra limitações. Para ser viável economicamente, a indústria precisa estar perto do local de consumo, já que o transporte não é simples de ser feito e o vidro é um material pesado e frágil. Ela demanda produtos químicos e máquinas capazes de fazer a limpeza integral sem deixar cheiro ou gosto e há um limite no número de vezes que uma garrafa pode ser limpa antes de ser encaminhada para a reciclagem – cerca de 30 vezes.

Há empresas que apostam nessa solução. Uma é a Águas Prata, do estado de São Paulo. O diretor da empresa, Rubem Cechinni, relata que hoje 25% do faturamento da empresa já é composto pelas garrafas de vidro retornáveis, e que foram necessários alguns investimentos como a reforma da máquina lavadora na
unidade industrial.

“Usamos como argumento de venda para os clientes o preço competitivo, a qualidade do produto e a preocupação com a economia circular, de reduzir o volume de lixo da empresa”, diz Cechinni.

Hoje, os principais clientes são restaurantes, bares e hotéis da capital paulista, e a logística é feita pelo distribuidor. Poder público e consumidores Enquanto as empresas tentam consolidar uma forma de estruturar a reciclagem de vidro para cumprir os percentuais previstos no decreto, o trabalho das prefeituras é visto como fundamental, já que cabe a elas a coleta do lixo e a destinação correta dos resíduos para reciclagem. A montagem de consórcios de diferentes prefeituras é uma solução para viabilizar em determinada região. Já os governos federal e estaduais podem facilitar com incentivos fiscais.

O papel dos consumidores é o de coletar os cacos de vidro e o que mais puder ser reciclado em suas casas e dar a destinação correta, em pontos de entrega voluntários para coleta seletiva. A indústria vê o vidro proveniente da reciclagem como uma fonte importante, mas pulverizada, e avalia que é mais fácil conseguir uma quantidade relevante em hotéis, bares, lanchonetes e restaurantes.

“Se nós queremos aumentar a demanda e a oferta, não é melhor que seja num processo educativo?”, questiona Ildo, da cooperativa Goiânia Viva.

Entre os ouvidos pelo Estadão, a principal aposta é no oferecimento de aulas para que professores possam levar o tema aos estudantes.

“Quando a população não separa direito o vidro, não vai chegar muito na mão das organizações certas. Se o consumidor conseguir separar corretamente, vai gerar muito mais volume”, reforça Trogiani, da eureciclo.

Um longo trabalho precisará ser feito para alcançar as metas do decreto de 2022, assim como para ter números confiáveis. Mas há interesse da sociedade, da indústria e do poder público para evoluir.

“Não é uma opção, é algo social. Temos um histórico de resultados positivos já alcançados. Não existe nem espaço para ser pessimista”, afirma Tello, esperançoso.