O Brasil sempre deixou em 2º plano as oportunidades para usar o gás natural em prol do desenvolvimento de sua indústria. O novo decreto do gás natural, anunciado pelo governo federal, pode transformar essa história. As mudanças propostas promovem transparência, regulam aspectos estratégicos de oferta e reduzem custos para toda a sociedade.
Trata-se de uma medida que amplia a competitividade da indústria e contribui para a criação de empregos, ação coerente com as expectativas dos usuários finais, sejam as grandes fábricas ou as famílias em suas casas, as mesmas que pagam a conta do descontrole dos preços no setor.
O decreto 12.153 de 2024 acerta em diversos pontos, especialmente por tornar transparentes aspectos de etapas da cadeia do gás natural que, por não serem vistas como serviço público, transcorrem sob o sigilo de uma série de informações imprescindíveis à fiscalização e precificação da fonte energética.
Essas atividades cuidam de infraestruturas essenciais, estão diretamente associadas à entrega de energia, ficam sob regência da União, já são reguladas pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e são custeadas pelos consumidores, uma vez que a tarifa final de distribuição de gás contempla os custos de produção, de transporte e carregamento da molécula. A diferença é que agora todos terão visibilidade do que realmente ocorre.
Quando temos publicidade, temos controle social e autorregulação. O transporte do gás natural, por exemplo, já é regulado, dependente de outorga de autorização, é objeto de chamada pública e obedece à receita máxima estipulada pelo regulador. Com o decreto, passamos a ter acesso às informações operacionais e de precificação.
A transparência poderá garantir preços mais justos e permitir que todos fiscalizem a prestação dos serviços. Empoderamento da própria sociedade, cujo controle coletivo une forças com o órgão regulador ao mesmo tempo em que dilui seus poderes em lugar de avantajá- los. Só aqueles que se sentiam mais confortáveis na penumbra se opõem a isso.
Outro ponto positivo do decreto refere-se aos limites de reinjeção de gás natural para extração do petróleo.
Ninguém sabe por que a parcela de reinjeção no Brasil é tão superior à dos outros países e por que aqui o gás natural chega às indústrias por um preço tão elevado, muito além do que se pratica nos Estados Unidos ou na Europa. No atual modelo, o produtor de gás tem amplos poderes para ampliar a reinjeção e alterar como bem entende as condições de oferta do insumo. Então, o decreto busca avaliar a pertinência e dar limites a essa decisão tão cara ao país.
Precisamos compreender que o gás natural se apresenta como uma fonte de energia de ligação na transformação dos sistemas energéticos fósseis para os de origens renováveis, um estágio intermediário e necessário em nossa tão almejada transição energética.
Essa fonte é uma importante aliada para as indústrias em seu processo de redução das emissões de gases de efeito estufa com menores riscos de intermitência e instabilidade naturalmente associados às fontes renováveis. A capacidade de estocagem, flexibilidade, alto poder calorífico e rápido atendimento dão ao gás natural a condição de suprir fragilidades de energias mais limpas, sem prejuízo de sua eficiência energética.
Esse insumo responde por mais de 10% da matriz de energia brasileira e não se pode fechar os olhos para os vícios que hoje tornam essa fonte mais cara e afetam não só milhões de consumidores domésticos, mas toda a indústria de bens intermediários e de consumo, como química, vidreira, cerâmica, automobilística, construção civil e de medicamentos.
Naturalmente, há tópicos que podem ser aperfeiçoados, mas os novos comandos trazidos pelo decreto já representam um importante avanço na direção da descarbonização da indústria brasileira, na redução de preços e na fiscalização pela coletividade, tendo a transparência como principal ferramenta.