O executivo Lucien Belmonte é conhecido de longa data do setor de energia, apesar de presidir uma entidade do setor produtivo, a Abivrido, que representa fabricantes de vidro. Essa dupla atuação, explica, deriva de uma necessidade básica: garantir energia competitiva num ambiente em que ela fica cada vez mais cara.
Crítico recorrente dos subsídios, Belmonte afirma que a escalada dos benefícios, que elevam a conta de luz e inviabilizam a indústria, deriva de uma deterioração nas relações entre instituições públicas e capital privado.
‘O setor de energia não tem hoje o capitalismo da racionalidade econômica. Agora, é aquele capitalismo de laços, com investidores ou empresários que são especialistas em relações com o governo e obtenção de decisões do governo para alavancar os seus negócios.’
Por que o sr. chama a energia de calcanhar de Aquiles da competividade nacional?
Porque nos últimos anos o país abriu mão de posições e de princípios para agradar alguns poucos. Vou dar um exemplo. Nós temos Itaipu. A sua proposta era nos fornecer energia barata. Itaipu agora produz energia cara. Por quê? Por que não consideram energia barata como algo fundamental -posicionamento que significa abandonar a nossa competitividade.
O sr. está falando dos subsídios?
Dos subsídios e das escolhas erradas. Política pública tem que ser focada objetivamente para gerar oportunidades para o país como um todo -e não é isso que estão fazendo. Por exemplo. A gente tem uma indústria solar e eólica que não precisa mais de subsídio. O que a gente faz? Vai lá e faz uma medida provisória dando subsídio.
Para que o Brasil quer energia a base de carvão?
A idade da pedra não terminou por falta de pedra, mas porque evoluímos. Não é porque a gente tem um pouquinho de carvão que precisa se subordinar ao uso do carvão ao custo e ao impacto ambiental que ele traz. E o que a gente faz? Coloca mais carvão num projeto de lei. Tem o biometano, que pode ser obtido de várias fontes e é ótimo fazer reaproveitamento [de insumos]. Porém, de novo, a lógica econômica adotada empurra custos maiores para os consumidores residenciais e industriais. Isso não é aceitável. Se alguém quiser ter a opção de utilizar biometano, que use.
Os próprios usineiros de cana [que produzem biometano] não utilizam biometano nos seus caminhões durante a safra de cana. Eles preferem diesel. Então, por que querem empurrar isso para os outros? Por que vamos dar mais um bolsa-usineiro, se o setor já recebe Cbio [Créditos de Descarbonização]. Precisa mais?
A discussão do hidrogênio é outra. O brasileiro vai pagar para o europeu e o americano comprarem mais barato? É isso mesmo? Por que o senhor Edvaldo do interior do sertão do Cariri tem que pagar para Fräulein da Alemanha receber hidrogênio mais barato? Faz sentido isso?
Como o sr. recebeu o pacote lançado pelo governo dentro do Gás para Empregar? Entidades da indústria elogiaram, mas o setor produtivo fala em intervenção.
Regulação não é intervenção. O problema é a falta de coragem regulatória que tivemos até hoje. A Petrobras sabe que existe uma parte da reinjeção que é técnica, mas uma grande parcela pode ser vendida, e isso impacta a oferta nacional de gás. Se não houver uma comprovação técnica, o regulador precisa atuar para que essa prática tenha limites. Já perdemos muitas oportunidades de usar o gás natural para fazer a indústria avançar. O novo decreto é um passo na direção da mudança que precisamos. A começar por dar transparência a aspectos que hoje estão obscuros. A quem pode interessar questionar uma medida de coloca tudo às claras? Quem paga a conta do descontrole dos preços do gás natural é o consumidor final.
Sintetizando: o principal problema é que a energia está cara com tantos subsídios?
Esse é um ponto, muito determinante, porque estão tornando a produção no Brasil inviável. Mas o ponto central é que isso ocorre porque a gente tem escolhido o vencedor. Se você diz que A ou B vai ter subsídio, e esse subsídio vai ser pago por todo mundo, o que acontece? Você tira a competitividade de quem comprou essa energia.
Esse modelo político-econômico de beneficiar alguns produtores de energia em detrimento da competitividade de todo o setor industrial, está nos destruindo. Fechamento de fábricas representa que investimentos não vão se materializar. Há quantos anos você não vê um investimento numa nova central petroquímica no Brasil? Há quanto tempo você não vê novas siderúrgicas? Você tem investimentos de atualização, mas não tem novos ‘smelters’ [fundições] de alumínio.
E como sai disso?
A saída é ter a coragem política para negar incentivos, mas preferem o discurso tosco de ‘não vamos taxar o sol’. É como se a gente fosse eternamente condenada a empurrar todas as decisões do passado para o futuro, mantendo benefícios espúrios, e sem dizer o básico: de que forma vai ser usado? Para que vai ser usado?
Quem é beneficiado? É a população? É o país? É a produção? Ou é um único empresário?
A gente tem democratizado o custo e tornando o lucro absolutamente pessoal.
Tem discussão estúpida que nem era para estar ocorrendo, caso do PCS [Procedimento Competitivo Simplificado]. Estamos discutindo aquela usina térmica do cara que saiu correndo com a bolsa de dinheiro pela rua [cena do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures correndo com uma mala de R$ 500 mil de propina da J&F para conseguir gás para a térmica de Cuiabá]. A mesma usina e o mesmo problema voltam sete anos depois como se fosse uma maldição energética recorrente. A gente não consegue se livrar dela.
O país precisa saber que tipo de empresário está atraindo para o setor elétrico hoje e qual ambiente econômico isso cria. O setor de energia não tem hoje o capitalismo da racionalidade econômica. Agora é aquele capitalismo de laços, com investidores ou empresários que são especialistas em relações com o governo e obtenção de decisões do governo para alavancar os seus negócios.
O sr. pode dar nomes? Não precisa.
As relações entre governos e empresas geraram muita discussão durante a Lava Jato, e o sr. citou capitalismo de laço, expressão que dá nome de um livro que também discutiu relações viciadas entre Estado e empresas no Brasil. Por que essa referência agora?
Porque as coisas ficaram até mais escancaradas do que antes. Estão mais ao alcance da interpretação e do conhecimento de todo mundo, como não estavam no passado.
O sr. pode dar um exemplo prático?
O PL [projeto de lei] das eólicas offshore. Você consegue identificar cada beneficiário. Na medida provisória da Amazonas Energia, também. Há uma série de decisões que empatam todos os brasileiros. O custo regulatório no Brasil se tornou proibitivo. O governo, os órgãos reguladores e o Congresso Nacional têm feito escolhas personalíssimas. Esse pacto político- econômico não serve mais ao desenvolvimento brasileiro.
Lucien Belmonte, 55
Paulista, tem graduação em administração pela PUC- SP. Desde 2000, atua na Abividro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro). É porta-voz do movimento União Pela Energia, que reúne 70 associações da indústria brasileira, e coordena o Fórum do Gás, grupo de entidades setoriais que atuam no consumo, produção, comercialização, autoprodução, cogeração e geração de energia elétrica. Apaixonado por rúgbi, também é diretor do clube Pasteur Athletique Club, o clube de rúgbi francês no Brasil